terça-feira, março 20, 2012

O ciclo



Ela tinha 30 e poucos, quer dizer trinta e alguns. Ok, ela tinha trinta e muitos e já se preparava para os 40. Sem traumas, neuras ou receios. Quer dizer, com exceção daqueles quilinhos a mais. Mas isto se resolveria quando voltasse pra academia, ou melhor, quando conseguisse tempo para voltar. Assunto futuro.

Há tempos estava sentindo falta de um aconchego, de um suspiro no pescoço, de umas mordidinhas nos dedos. Sentia necessidade daquele cheiro, daquele hálito, daquele gosto. E o telefone ali, ao seu lado. Tantas teclas com números. Se bem que aqueles números nunca deram sorte. Números de azar e nem tinha um treze neles. Mas eles estavam ali, ansiosos para ser tocados. Este, era assunto presente.

Pena que sua memória era tão boa quanto da sua mãe, que tinha a infeliz mania de se lembrar de todos os seus dias de sofrimento. Apesar de que com ela, a memória era seletiva. O sofrimento era quase um aperitivo. Ah, e como ela gostava de aperitivos. Ou não, não gostava? Bendita memória seletiva que fazia com que se lembrasse daqueles olhos azuis e cabelos negros caídos de lado. Um assunto passado.

E entre seus quase enta com os quilinhos a mais, o telefone e seus números brilhantes, os olhos azuis que reluziam na memória, o futuro, o presente e o passado misturavam-se. Então tomou a decisão: foi dançar e ver o dia raiar do alto, quem sabe assim a linha do tempo se alinharia e ela finalmente poderia curtir seu ciclo completo.

Paredes mortas



Pintei as paredes da sala

De cor de vida irradiante

As paredes da sala pulsaram

Até me matar, aos poucos

Comprei tinta nova

De cor de sorrisos

Revivi, as cores pulsaram

Até me matar, aos poucos

Rasguei o papel de parede

Colei novas estampas

Cor de amor apaixonado

As estampas pulsaram

Até me matar, aos poucos

Morri de novo e morri

E morri outra vez

Até viver, aos muitos

Hoje não vejo cores formas

Não sinto texturas ranhuras

Vivo, aos poucos, aos muitos

Até morrer, de vida