quarta-feira, fevereiro 03, 2010

A fila, o grosseiro e a engraçadinha. Ou como sempre digo: ignorância aos ignorantes.

Diariamente vou ao supermercado, de segunda a segunda. Seja para comprar leite, fruta, carne, fraldas. Quando não vou ao supermercado do bairro, vou a um grande hipermercado, que fica próximo de minha casa, cerca de quatro quadras.
No supermercado do bairro é sempre muito tranqüilo, conheço o gerente e a maioria dos funcionários pelo nome, as filas são respeitadas, as pessoas são cordiais e até entendem a cara emburrada que a filha do proprietário, vez ou outra, apresenta. Resumindo, se não fossem os preços de alguns produtos, seria uma maravilha comprar ali.
No grande hipermercado vou comprar produtos mais caros, como a fralda do bebê, produtos de limpeza, entre outros. Lá sempre acontecesse algum tipo de problema: São pessoas que não respeitam o limite máximo de produtos ou o caixa exclusivo. São preços que nunca batem com a etiqueta. Mas os problemas maiores são sempre com as filas, ah, as filas!
Outro dia eu fui protagonista de um problema destes. Estava na fila do caixa rápido, na minha frente muitas pessoas, atrás, outras tantas, quando vi minha vizinha parando na fila. Sem pensar duas vezes a chamei para ficar comigo, assim colocávamos a conversa em dia, pois apesar de vizinhas de muro, quase nunca temos tempo para conversar.
Esperamos um tempão até chegar a nossa vez, esperamos inclusive as duas moças, que estavam na nossa frente, irem buscar um produto que faltou. Como a conversa estava boa nem nos importamos com a demora.
Quando chegou nossa vez, o senhor que estava atrás, apontou o dedo para minha vizinha e grosseiramente disse: A SENHORA NÃO ESTAVA NA FILA. Aquilo me ferveu o sangue e respondi no ato: claro que estava, ela está comigo! E ele começou a gritar conosco, de uma forma extremamente grosseira.
Aquilo me enfureceu e eu disse: já que é assim, passe na minha frente, seu grosso, mal educado. Ele respondeu: passo mesmo, eu não sou besta. Aí a engraçadinha aqui disse, em tom de gozação: claro que é besta, porque se tivesse sido um pouco mais gentil e educado, eu também teria deixado o senhor passar na minha frente, só que sem chamá-lo de grosso.
Eu sei que muita gente que está lendo está pensando que a culpa é minha, porque é falta de educação deixar alguém furar a fila. Mas o fato é que ela é minha amiga e se ela tivesse chegado dois minutos antes, ou eu dois minutos depois, estaríamos juntas, de qualquer forma, na fila.
O que me irritou no caso foi a grosseria do senhor, que viu e percebeu que ela ia passar na minha frente e deixou para GRITAR com a gente quando chegamos ao caixa. Ele poderia, de imediato, e de forma mais gentil, ter dito que não iria admitir que ela passasse a sua frente. Evitaria um escândalo, como o que aconteceu, e teria tido a oportunidade de expressar a sua cidadania de forma civilizada.
Muitas vezes já deixei pessoas que tinham apenas um produto passar na frente. Outras vezes, me deixaram passar. O que pontuou estas situações foi a cordialidade entre as pessoas. Eu acredito, e tento colocar em prática, na educação e na gentileza, mesmo na hora de fazer valer os meus direitos. Já discuti com pessoas que queriam passar na minha frente, na fila. Mas a discussão deu-se de forma educada, comigo dizendo de forma gentil que não era justo furar a fila e a pessoa entendendo o recado. Ambos saímos satisfeitos do supermercado.
Acredito que o “eu não quero ser o besta da história” tem valido muito mais que o “eu quero ser o gentil e o educado da história”. As pessoas têm um grande medo de serem passadas para trás, de sentirem-se perdedores e de não conseguirem tirar vantagem das situações. E com isto deixam os bons modos e a cortesia de lado.
Como diria um amigo, é por isso que as pessoas matam umas as outras, elas sempre saem de casa armadas com a intolerância e a ignorância.
Talvez o mundo fosse outro, se não nos importássemos com a vitória e sim com o jogo, se pensássemos mais no outro, se usássemos a gentileza como ferramenta de vida, se deixássemos os gritos e as grosserias de lado e déssemos mais valor a uma boa conversa, a risadas sinceras e a um mundo mais tranqüilo.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Caí do salto, literalmente

Estava no supermercado. Fim do dia, cansada, com a maquiagem já querendo sair, sentindo a bolsa mais pesada do que costume e de salto, alto, altíssimo. Passei pelo corredor de leite. Dei uma olhadinha nas bolachas. Peguei um iogurte, um queijo. Não me esqueci das frutas e do suco das crianças. Fui para a fila do pãozinho, já pensando na fila do caixa.
Distraída com minha agenda mental de tarefas a serem (e que nunca serão) feitas, percebi um vulto ao meu lado e ouvi um: Márcia há quanto tempo! Olhei rapidamente, tomada por um susto e uma sensação familiar: aquela voz não me era estranha.
Pontuei de cima a baixo aquele mulherão que falava comigo tão intimamente. Cabelos longos e devidamente hidratados, soltos com aquele ar natural que só os comerciais têm. Pele sem nenhuma ruga, mancha ou sinal. Maquiagem perfeita. Roupa elegante. Reparei na marca da bolsa: uma Saad. Sapatos impecáveis e uma delicadeza no olhar.
Confesso que demorei alguns longos segundos até reconhecer. Não, não era possível que aquela mulher linda e elegante fosse a mesma menina estranha, cheia de espinhas e sem nenhum gosto para roupas ou namorados.
Ela agia como nos tempos da escola, só que mais extrovertida, mais intelectualizada. Fez um milhão de perguntas, sobre minha vida, trabalho, filhos, marido. E me abraçava. Como quem abraça alguém que ama muito. Fiquei comovida. Não esperava tanto entusiasmo e amor, depois de tantos anos e depois de tudo o que aconteceu.
Ela, adolescente tímida, estranha, cheia de neuras. Eu, comum, mas bem relacionada e muito bem acompanhada. Uma festa, uma distração minha e uma música lenta bastaram para criar um clima entre a garota e meu acompanhante. Como nunca fui de levar desaforo e nem de perder o par, interrompi a música no melhor estilo arrombo adolescente. Fui ao encontro do casal, no meio da pista e por não entender ainda as relações homemxmulher, ao invés de brigar com o garoto, mirei a garota e, sem dó, nem piedade, joguei sobre ela toda a minha raiva.
Fui cruel, fui insensível, fui má. E ela seduzida e muito assustada, ouviu tudo, segurando as lágrimas. Disse-lhe minhas verdades e minhas mentiras. Esvaziei minha alma e a entulhei com coisas do tipo: aprenda a ser mulher, primeiro; tenha vergonha na cara e procure seu próprio namorado; vá estudar que você ganha mais; você acabou de provar que nem inteligência tem.
Lembrando de nosso último encontro, senti uma imensa vergonha. Hoje, faria completamente diferente e com toda a certeza não a atacaria e sim o infeliz, afinal era dele a responsabilidade da fidelidade. Mas como não se pode mudar o que foi e como aprendi as lições da vida, interrompi a bela mulher e perguntei-lhe se ela lembrava a última vez que havíamos nos falado, numa espécie de mea culpa.
Para a minha surpresa ela disse: claro, graças ao que você me disse naquele dia, hoje estou assim. O assim dela era graduada e pós-graduada no exterior, casada, rica, bem sucedida e, segundo suas próprias palavras, feliz, muito feliz.
A sensação de culpa deu lugar a uma felicidade imensa, então fiz bem à garota. Não fui de toda cruel e horrível. Afinal, ela está mais bonita, mais capacitada, mais experiente e mais feliz. Ela que era o alvo das mais terríveis chacotas, hoje é o motivo das mais sinceras invejas, e está bem melhor do que eu. Este pensamento me estremeceu e, num tropeço fatal, cai, deixando rolar supermercado adentro laranjas, queijo, sucos e pães.
Acho que foi a vida me dando mais uma lição.