segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Caí do salto, literalmente

Estava no supermercado. Fim do dia, cansada, com a maquiagem já querendo sair, sentindo a bolsa mais pesada do que costume e de salto, alto, altíssimo. Passei pelo corredor de leite. Dei uma olhadinha nas bolachas. Peguei um iogurte, um queijo. Não me esqueci das frutas e do suco das crianças. Fui para a fila do pãozinho, já pensando na fila do caixa.
Distraída com minha agenda mental de tarefas a serem (e que nunca serão) feitas, percebi um vulto ao meu lado e ouvi um: Márcia há quanto tempo! Olhei rapidamente, tomada por um susto e uma sensação familiar: aquela voz não me era estranha.
Pontuei de cima a baixo aquele mulherão que falava comigo tão intimamente. Cabelos longos e devidamente hidratados, soltos com aquele ar natural que só os comerciais têm. Pele sem nenhuma ruga, mancha ou sinal. Maquiagem perfeita. Roupa elegante. Reparei na marca da bolsa: uma Saad. Sapatos impecáveis e uma delicadeza no olhar.
Confesso que demorei alguns longos segundos até reconhecer. Não, não era possível que aquela mulher linda e elegante fosse a mesma menina estranha, cheia de espinhas e sem nenhum gosto para roupas ou namorados.
Ela agia como nos tempos da escola, só que mais extrovertida, mais intelectualizada. Fez um milhão de perguntas, sobre minha vida, trabalho, filhos, marido. E me abraçava. Como quem abraça alguém que ama muito. Fiquei comovida. Não esperava tanto entusiasmo e amor, depois de tantos anos e depois de tudo o que aconteceu.
Ela, adolescente tímida, estranha, cheia de neuras. Eu, comum, mas bem relacionada e muito bem acompanhada. Uma festa, uma distração minha e uma música lenta bastaram para criar um clima entre a garota e meu acompanhante. Como nunca fui de levar desaforo e nem de perder o par, interrompi a música no melhor estilo arrombo adolescente. Fui ao encontro do casal, no meio da pista e por não entender ainda as relações homemxmulher, ao invés de brigar com o garoto, mirei a garota e, sem dó, nem piedade, joguei sobre ela toda a minha raiva.
Fui cruel, fui insensível, fui má. E ela seduzida e muito assustada, ouviu tudo, segurando as lágrimas. Disse-lhe minhas verdades e minhas mentiras. Esvaziei minha alma e a entulhei com coisas do tipo: aprenda a ser mulher, primeiro; tenha vergonha na cara e procure seu próprio namorado; vá estudar que você ganha mais; você acabou de provar que nem inteligência tem.
Lembrando de nosso último encontro, senti uma imensa vergonha. Hoje, faria completamente diferente e com toda a certeza não a atacaria e sim o infeliz, afinal era dele a responsabilidade da fidelidade. Mas como não se pode mudar o que foi e como aprendi as lições da vida, interrompi a bela mulher e perguntei-lhe se ela lembrava a última vez que havíamos nos falado, numa espécie de mea culpa.
Para a minha surpresa ela disse: claro, graças ao que você me disse naquele dia, hoje estou assim. O assim dela era graduada e pós-graduada no exterior, casada, rica, bem sucedida e, segundo suas próprias palavras, feliz, muito feliz.
A sensação de culpa deu lugar a uma felicidade imensa, então fiz bem à garota. Não fui de toda cruel e horrível. Afinal, ela está mais bonita, mais capacitada, mais experiente e mais feliz. Ela que era o alvo das mais terríveis chacotas, hoje é o motivo das mais sinceras invejas, e está bem melhor do que eu. Este pensamento me estremeceu e, num tropeço fatal, cai, deixando rolar supermercado adentro laranjas, queijo, sucos e pães.
Acho que foi a vida me dando mais uma lição.

Nenhum comentário: